Linhas infinitas, continuidade. O comboio avança em direção a um destino sem início nem fim. Seus passageiros têm consciência de sua infinitude mas permanecem presentes, obrigação pessoal, incluindo John. Segurando-se nas barras verticais do recinto, John pratica um monólogo mental enquanto encara o vidro, sua própria imagem. Todos os outros passageiros imitam tal ação, cada um em seu canto. Ali ninguém se vê, ninguém se conhece, preferem manter o anonimato, véu imaginário cobrindo o rosto. O comboio continuava o seu trajeto, suas linhas paralelas e infinitas oferecendo aos passageiros o castigo necessário para suas almas carregadas. Rápidos flashes de imagens começaram a passar pela sua mente. A pequena garota correndo, os soluços abafados do seu choro misturados com o barulho dos seus rápidos passos, tentativa frustrada de se afastar e afugentar o predador que corria ferozmente em sua direção. Nem o choro daquela pobre criatura fez com que John mudasse as suas intenções. Antes pelo contrário, aquilo trazia gozo, deixando soar altas gargalhadas de pura diversão. Abanando a cabeça inúmeras vezes, John tentava inutilmente expulsar aquelas imagens de sua mente, mas elas permaneciam presentes em forma de punição.
Em suas memórias a garota corria em busca de refúgio, agora John que procurava por um esconderijo, um verdadeiro véu que cobrisse por inteiro sua vergonha. Diversas imagens vindas de mentes perturbadas começaram a encher o vagão do comboio como uma transferência do interior para o exterior, libertação. Chegava a ser possível sentir fisicamente a grande carga obscura presente naquele pequeno espaço sem o soar de uma única palavra. Seus passageiros procuravam, assim como John, uma forma de afastar toda lembrança. Alguns dançavam desengonçados ao som de notas musicais imaginárias na esperança que o embalo sonoro levasse toda fatiga embora, notoriamente em vão. Outros limitavam-se a tapar seus rostos, ora com as mãos, ora entre as pernas na procura do esconderijo necessário. Atos de inutilidade aos olhos alheios mas necessários aos olhos dos indivíduos presentes. Um fio de esperança que separava a lucidez da loucura, barreira que os impedia de atirarem-se de cabeça no abismo da incerteza e do medo. Um leve consolo diante do fado aguardado na esperança que o mesmo seja amenizado, apesar da noção de que nada disso resultaria. O comboio mantinha seu ritmo lento em busca de um destino sem início nem fim, semelhante à culpa de John que permaneceria para sempre.

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